quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Menino preto


I

O menino preto sabia o que tinha que fazer. O sol ainda não nascera e ele já estava de pé. O menino preto estava triste, tenso, inconformado. Mas ele sabia o que tinha de ser feito. Não conseguiu dormir nessa noite. Angustia. É bem verdade que ele não dorme direito há dias, mas essa última noite talvez tenha sido a mais longa... Passou um café, tomou, amargo. Pegou a corda e foi lá pra fora. Chamou a vaquinha. Ela ia ser vendida, e o menino preto não se conformava. Mas ele sabia o que tinha que ser feito. Ela que estava ali desde o tempo que já sumiu da memória. Ela lhe deu muito leite, deu tudo, deu sua carne... e agora ela não tinha mais nada pra dar... nem parecia mais uma vaca, era algo que se equilibrava, algo que quase não lembrava o que já foi... e ela olhava pro menino preto, um olhar triste, parecia que ia começar a chorar em qualquer momento, mas ela nunca chora... Agora a vaquinha seria vendida. Ainda estava escuro quando o menino preto passou a corda no pescoço magro da vaquinha... e foi puxando.. por uma estrada triste... Andou aproximadamente uma hora e os primeiros raios de sol começaram a esquentar seu rosto... e ele pensava se aquela vaca que era só osso e tristeza teria consciência do que ia acontecer... se talvez ela visse aquilo como uma forma de libertação, ou condenação... se ela teria saudades ou sentiria alivio... ele sabia o que tinha que fazer, mas não sabia o que deveria estar sentindo em relação a tudo isso... o dia nascendo, naquela estrada, puxando algo que quase lembrava uma vaca, ele se sentia triste por saber o que tinha que ser feito...

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