segunda-feira, 7 de abril de 2008

menino-cão


Semana passada fui ver defesa de dissertação de mestrado de um amigo, foi na pós graduação de história da unb, e o tema era ficções cientificas na cinema em 1968... (é doidão ou não é?), conheci o André há uns dez anos, andávamos com loucões em comum, e foi mais ou menos nessa época que ele me deu esse texto de sua autoria, na época eu achei lindo, e hoje ainda acho muito foda prum moleque psico, durante todos esses anos no cruzamos nos botecos da cidade, bebemos e fumamos juntos... mas os ecos dos gritos do menino-cão munca pararam de ecoar na minha cabeça... Shopenhauer... Shopenhauer...


Quando eu só tinha três meses fui sequestrado por um louco que queria fazer de mim uma espécie de laboratório sinistro afim de levar a cabo seu projeto que ele chamava de a perfeita máquina humana.
Durante os primeiros anos de vida alimentou-me exclusivamente com leite de origem canina. Na casa onde então habotávamos mais de quatorze cachorros dividiam o quintal. Ele tinha uma coisa com cachorros. O lugar era infestado de pulgas.
Convencido das vantagens inerentes ao faro canino incutiu-me o hábito de cheirar sempre os fundilhos dos outros. Ele era um homem louco, assim como as pessoas que frequentavam aquela tasca.
Eu não conhecia o mundo. Jamais entabulamos qualquer tipo de conversação. Vim a descobrir tudo isso depois. Eu só ficava latindo.
Isso levou-me a carregar completa repugnância por qualquer tipo de sociedades secretas pelo resto dos dias.
Quando eu já era rapaz, um professor ensinou-me a ler. Era a única criatura abençoada pela sanidade. Duas horas por dia, três dias por semana, durante p período que calculo num ano. Depois disso sumiu e meu pai me deu um embrulho com uma coleção de livros de filosofia, que passaram a ser minha única companhia e eu os lia sempre que não estava latindo ou copulando.
Quanto às cachorras, consumiam boa parte da minha energia. Eu tinha que copular com elas quase todos os dias, o que era exaustivo. Conhecia cada uma com exatidão e sabia qual a responsável por cada cicatriz. Vezes havia em que meu membro ficava sanguinolento. Nas brigas com os cachorros eu mordia e era mordido (assim perdi meu olho esquerdo).
Sendo o professor a única pessoa com a qual eu mantivera algum tipo de diálogo, por rudimentar que fosse, não é de se estranhar que quando a casa foi invadida por policiais eu não tenha esboçado outra reação a não ser avançar-lhe no pescoço.
Espancaram-me e acordei algum tempo depois numa cela com outros prisioneiros. Fui de quatro até o canto e fiquei. Um negro aproximou-se e falou comigo. Fiquei calado um bom tempo até que pronunciei: Shopenhauer. Ele pareceu achar aquilo engraçado, devia supór que eu fosse estrangeiro. E essa foi a única palavra que pronunciei durante longos dez anos. Shopenhauer.
Data daí a época em que fui induzido à degradante exposição pública. Cidadãos que dir-se-iam esclarecidos pagavam para assistirem-me gritar Shopenhauer e demonstrar minhas faculdades adquiridas. Era repugnante. No fim de cada espetáculo eu ganhava linguiça ou um pedaço de galinha.

Mestre André Poeta

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