segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

unzinho do ferrez



Deus, dinheiro, e mais coisas que revoltam
por Ferréz



O poder é do programa de auditório, vejo meus iguais, pegadinha humilhante que faz rir.


Tropicália que ficou no vento do tempo e hoje o que temos, também o que fizeram? Por mim, nada, foda-se, alguém ganhou e não foi o povo (de novo).


Luta de desenho animado não retrata luta de classes, os inimigos de brinquedo são mais caros que os heróis.


Só aproveitando a carona, a inimiga da sala da justiça é negra e tinha poderes africanos.


Gangue católica que me faz duvidar da cruz.


Gangue evangélica que me faz duvidar que resta qualquer fé que seja válida.


Cada vez mais, dezenas, centenas, milhares de corpos com uma roupa social velha e um bloco de mentira nas mãos, indo cultuar algo que ninguém viu, só uma porra de boato antigo, cadê os lírios do campo, senhor? Só vejo corpo decapitado, na contagem regressiva até ser meu dia, cadê o seu espelho, senhor? Aquele que mata a criança e põe fogo? Aquele que estupra a menina cheia de sonhos? Aquele que sempre teve de tudo e julga sem dó quem nunca teve nem em sonho? Ou o seu espelho é aquele que muda a lei e acaba com o sonho de milhares de senhores e senhoras que não agüentam mais o ônibus lotado e queriam se aposentar?


A cocaína não deixa de chegar na hora marcada, o dono é aquele que tem roupa feita no estilista e filha no exterior.


Apareceu novo monstro na mídia, esse vai ser zoado no presídio, não vai ter pena branda nem direito a ficar em casa por “acharem” que está com problemas psicológicos.


Vai ter que andar de blindado mesmo, cuzão, vai ter que andar de blindado, a gente quer tudo, até o CD que você ia ouvir, a gente quer tudo, sua mulher, sua filha, sua comida, sua televisão, seus DVDs, a gente quer ver um livro pela primeira vez, mas não vamos saber o que fazer com ele.


A revista Veja e a Folha de S. Paulo plantam: ódio ao MST.


O PFL planta: ódio ao MST.


O PMDB planta: ódio ao MST.


Então eu estou com vocês, então nós estamos com vocês, quem tem tanto bom inimigo só pode ser nosso amigo.


Acreditamos, e o resultado é: homem de 40 anos que vendia cartão na praça da Sé é humilhado, lhe tomaram aproximadamente mil cartões, a família vai ficar sem leite. Ou então isto: perueiro procura urgente vaga para qualquer trabalho, o carro está apreendido. E a prefeita pensando na nova cirurgia (mas que porra de esquerda é essa?).


Completando a escravidão cultural, não perca Matrix, assim como não perdeu Homem-aranha, Demolidor, Velozes e Furiosos, e muitas outros tantos supermegafilmes com supermegaorçamentos, que certamente é o mesmo dinheiro saqueado pelos EUA dos países mais pobres do continente.


Vamos ser suicidas, sem valorizar a vida de ninguém, se não for para o banco de traz vai morrer, quem imprimiu o seu boletim de ocorrência é o mesmo que veio negociar a libertação do parceiro que fuzilou seu filho, o clima do crime é o círculo e a polícia faz parte dele.


Juiz é só questão de preço, menos de tal valor ele não te atende, o que está à venda, hein!, seu filho da puta, seu trabalho ou você?


O porco de farda também tem família para sustentar, conta para pagar.Só porta fechada e aviso “fechado por luto”, mãe chorando, irmão jurando vingança, vai querer fuzilar o gambé que bateu na cara da sua mãe e gritou: “É para aprender a pôr vagabundo no mundo!”


O padrão que temos para assistir não condiz com as pessoas daqui, pobre não toma suco de laranja no café da manhã, senhores donos das novelas.


O crime tá vencendo, tá crescendo, só hoje vi doze viaturas, vejo polícia, já faço o certo, mão pra cima, lembro se tenho algum dinheiro, vão tomar o pouco que tenho.


O número um tá na casa sem goteiras, com vários carros na garagem, e a gente querendo completar a cesta básica, tá bom só para quem manda prender, tá bom só para quem manda despedir, tá bom só para quem liga a máquina de contar notas.


Todo mundo querendo ter a sua própria mina de ouro, tomar um cafezinho quentinho, ligar a televisão e assistir: ação, tiro, encrenca, morte, sexo, acordar no sofá e ver que nada é real, mas o barulho de bala não deixa dúvida.


Faz favor pra mim? Não coloca essa revista perto da coleção da Veja, faz favor pra mim? Deixa ela solta na sala, para outras pessoas lerem, de repente pegarem um pouco de noção do que tá acontecendo. Faz favor pra mim? Pegue um papel e tente adivinhar qual sua posição no tabuleiro, será o rei? Será o cavalo? Será o peão? Indignação, humilhação, tristeza e desgraça, as palavras cortam a carne, deixam a lágrima cair, ao sair da cela o sentimento de querer trazer o amigo que tá lá dentro com você, quem pode julgar? Quem é o exemplo da conduta? Deveres... deveres... direito, nada, só devemos, nascemos e morremos devendo, a filha do imigrante chora, no quarto de empregada ela chora, o filho tá preso, a patroa não vai perdoar se souber, ninguém perdoa, ninguém perdoa nessa porra de selva, é só apanhar, levantar o braço e apontar. A cabeça baixa, caminhando no meio da rua, sabendo que nunca apanhou do pai, mas agora apanha dos porcos fardados, queria ter algum caminho, queria ver algum caminho, mas o que a gente nunca tem a ver com grandes expectativas.


Ferréz é autor de Capão Pecado e Manual Prático do Ódio.

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