sábado, 19 de julho de 2008

Larva Coringa

Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas?

Na cela branca e vazia, o silêncio pressurizado é aliviado somente por essas três coisas: o rastejante estralejar da lâmpada fluorescente, o lento crepitar da respiração – como se ele soasse como papel sendo rasgado e rasgado e rasgado novamente, obsessivamente, em pequenos pedaços, e o agudo zumbido de um mosquito que pegava carona na capa do Batman e agora se encontra trancado numa cela de uma casa de loucos com uma coisa má como companhia.
Não se percebe nenhum movimento até que você olhe bem de perto para ver as mandíbulas se mexendo discretamente debaixo da gaze e dos pinos cirúrgicos. Nem mesmo pense nessas dissimuladas mandíbulas ruminando algum mantra venenoso conforme os terríveis olhos acompanham a preguiçosa trajetória de vôo do pobre mosquito, do mesmo modo que uma aranha triangula a posição de sua vítima.
Ele está repassando em sua cabeça uma lista de coisas que o fazem rir. Bebês cegos. Campos minados. AIDS. Queridos animais de estimação mortos em acidentes de rua. Estatísticas. Estojos de lápis. CAFÉ DA MANHÃ TARDIO! A tabela periódica dos elementos.
O inseto escolhe uma mão branca como a lua à esquerda e aterrissa como módulo lunar da NASA. Ele recolhe suas pequenas asas, toma fôlego pela sua traquéia, depois libera sua ferramenta hipodérmica contra a pele encoberta do Coringa e começa a sugar, se deliciando com a corrente sanguínea.
Gênios sofrendo irreversíveis danos mentais. Más notícias PRA VALER. Fé destruída. Sombreiros. Política. Peixes sendo estripados. Peixes sendo eviscerados. Peixes sendo eviscerados.
Como uma larva crescendo distorcida num casulo, como uma lagarta liquefazendo-se na sujeira dos seus próprios pesadelos ou um feto se dissolvendo em água de esgoto ou leite azedo, o Coringa sonha acordado. Ele é o mal ojo, o olho mal, deseja a morte para o mundo.
Câncer de intestino. Peixes sendo eviscerados. Armas de fogo nas escolas. Deficientes físicos. Racismo.
Respirando lentamente em seu inferno claro e sem limites, O Príncipe Palhaço da Crueldade sonha com um novo rosto, um novo mundo, um Ano Zero. Uma inesquecível era dourada de comédia sangrenta rubro-negra e crime!
Alzheimer.
O mosquito, enquanto isso, entende o recado, se estremece e cai das mãos do Coringa. Cego e paralítico, ele gira em círculos por todo o chão, engasgando com o sangue.
Batman.
Ele observa a pequena vida se apagar, escuta o som do zumbido que se esvai conforme ele lentamente se contrai, como uma mão formando um punho para socar, e morre.
Batman.
Ansioso para nascer, ele conta regressivamente até a meia noite.
Grant Morrison

Nenhum comentário: