quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sr. Murilo Seabra...


Trecho de um texto do meu grande amigo Murilo Seabra... parece que foi escrito pra mim...


Ah, como estou me sentindo mal... Que vontade de morrer... De desaparecer... Só não me mato porque tenho medo da dor... Sim, medo... Ah, sou um covarde... Você me acha magro? Acha mesmo? Não sou muito feio? Ah, como dói ser feio... Você não imagina, não imagina... Que culpa tenho eu de não ser bonito? Que culpa tenho eu de estar um pouco abaixo da beleza mediana? No entanto, pago muito caro... Se é pior do que ser pobre, negro ou homossexual, não sei... Porém, é ruim, muito ruim... A palavra ‘muito’ nem chega lá... É preciso repeti-la, muito ruim, muito ruim, muito, muito, ah, não é o bastante, muito, muito, muito, muito ruim, nunca será o bastante. Desgostar do próprio corpo... Ah, é terrível... É ser pisoteado diariamente... É ser pisoteado diariamente por si mesmo! Tem que existir vida após a morte! Tem que existir! E não quero que minha alma tenha a minha aparência... Ah, não... Se a minha alma for só uma versão transparente do meu corpo, vou preferir que não exista vida após a morte... Vou querer morrer para sempre, para sempre... Vou querer morrer definitivamente. Ah, tudo por causa da minha feiúra... Que não é das piores... Não, ela não é das piores... Tudo porque estou levemente abaixo da média... Levemente? Ah, não! Levemente?! Não, não existe leveza em se tratando de beleza, muito menos em se tratando de feiúra... Ah, quero deixar de existir. Para sempre. Por que logo eu? Um pouco abaixo... Só que parece muito... Sinto-me no fundo do abismo... Ninguém olha para mim... No fundo, no fundo...
Bom, você até que tem razão... Sim, estou magro... Mas já fui gordo, bem gordo... Não dá nem para acreditar... Eu tinha até peito... Sem falar na barriga... Ah, você não sabe, acho que você não sabe, mas ter uma barriga grande é uma coisa e ter peitos grandes é outra coisa... É completamente diferente. Um homem com uma barriga grande é só um homem com uma barriga grande. Já um homem com peitos grandes não é só um homem com peitos grandes. É um homem com um corpo meio afeminado... Sim, há conseqüências, há conseqüências... É claro que a barriga grande não passa desapercebida... Mas ela não coloca em questão a sexualidade. A barriga não é um pinto, não é uma vagina, não é um peito, não é uma bunda. É só uma barriga. É possível brincar com um homem barrigudo perguntando quando o bebê dele vai nascer. Mas com um homem peitudo? É impossível não brincar com ele... Fica-se muito mais afeminado quando se tem peitos grandes do que quando se tem uma barriga grande. Aliás, um homem com a barriga grande não é tão incomum. E a barriga também não é tão erotizada quanto o peito ou a bunda... Ter uma barriga grande não é algo que arranca o homem impiedosamente da categoria masculina para jogá-lo na categoria feminina. Ah, nem a bunda grande é um signo tão inconfundível de que se está diante de uma mulher quanto o peito! Um homem pode ter uma bunda grande... Mas ter peitos grandes? Ah, peitos grandes... Ele não pode andar pelas ruas com peitos grandes e esperar continuar a ser reconhecido como um homem... E esperar continuar a ser reconhecido como um simples homem! Ele já não é mais um simples homem! Não, não é mais... Porque não é ele quem decide. Não, não é ele. Ter dez, quinze, vinte quilos a mais faz muita diferença... Ah, ter peitos um pouco maiores do que a média... Um pouco já é muito. É muito. Um homem com peitos grandes? Não é a mesma coisa, não é a mesma coisa... Mesmo que ele não seja homossexual, mesmo que ele se sinta atraído só por mulheres, mesmo que do ponto de vista subjetivo ele só tenha pensamentos, sentimentos e desejos heterossexuais, do ponto de vista físico, objetivo, seu corpo, por conta da sua aparência feminina, acabará, no mínimo, abrindo espaço para brincadeiras... E não só para brincadeiras verbais... Também para brincadeiras táteis... Sim, as piadas e as mãos encontrarão caminho até ele! As piadas e as mãos! (...)


Valeu Murilo, Saudades...

Um comentário:

KERLEYSON SOUZA disse...

Murilo já foi professor na minha escola acho que em 2007, em marechal thaumaturgo - Acre. ele é uma pessoa distinta. seus textos refletem minunciosamente o que ele é, superficial e profundamente.
saudades murilo.
kerleyson