quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

PAI


É uma história de esperança, muito triste, com um final muito triste, mas não se engane, é uma história de esperança. Durante muito tempo Ela só queria ter um pai, desde de uma época que Ela mal lembrava. Foi envelhecendo e foi querendo outras coisas, mas no fundo toda sua vida foi tentando preencher esse vazio. Na adolescência, finalmente, depois de incontáveis discussões com sua mãe descobriu quem era seu pai, descobriu que ele era muito rico, um fazendeiro criador de gado, e por um breve instante Ela achou que iria ter um pai e que aquilo ia fazer dEla, finalmente, uma pessoa feliz, como ela achava que todo mundo devia ser, e que ela merecia por ser uma pessoa tão boa e sofrida. Porque mesmo antes dEla nascer a mãe se tornara uma pessoa amargurada, por ter sido abandonada com uma criança indesejada, e os anos pioraram a situação, pelos constantes pensamentos de morte, fantasias de uma vida diferente em que ela pudesse esquecer, com a criança era impossível esquecer. O breve instante de esperança acabou quando ela foi a procura do pai que só A reconheceu depois de um exame de DNA, reconheceu perante a lei, e A amaldiçoou, disse que Ela só conseguiria o que queria depois que ele morresse. Ela era inteligente em muitos sentidos, mas demorou a entender o que acontecia, pois Ela só queria um pai. Ela não entendia todo aquele ódio do pai que não deixou ela dizer o quanto ela o esperou e o amou mesmo sem te-lo conhecido.
Quando voltou pra casa teve que encarar a mãe, e pela primeira vez Ela pôde entender a tristeza daquela mulher, que não falou nada, só olhou pra filha com um olhar profundamente triste.e ela compartilhou a tristeza da mãe de uma forma completamente nova. E pela primeira vez, Ela entendeu que foi fruto de um acaso do destino que uniu sentimentos inferiores, como ódio, rancor e amargura. Ela pensou que tipo de fruto poderia nascer desse encontro, desse acidente. E tristes os dias se seguiram, e depois de uma vida esperando um pai, ela só pôde esperar o que ele podia lhe dar, então ela começou a desejar a sua morte. Primeiro ela se sentia culpada, e chorava e tinha muita raiva, mas depois ela racionalizou seus sentimentos e só queria que ele morresse. Ela nunca confessou isso a ninguém, pois tinha um pouco de orgulho, mas fantasiava uma reconciliação no leito de morte, e acordada sonhava em cuidar de seu pai em seus últimos dias. Pensamentos tristes de uma forma bonita e quase singela... mas na maior parte do tempo ela queria que ele só morresse.
Um pouco depois dessa época começou seu interesse por rapazes, e ela enchia seus pretendentes de afeto, ela cuidava deles, e despejava todo aquele amor que ela guardara para o pai... ela dava tudo que eles queriam, era só pedir. Depois de ser repetidamente dispensada por todos os homens que se envolveu, ela percebia que seu comportamento sufocava e espantava os homens. Pensou em se tornar uma pessoa amarga como sua mãe, mas achou que ainda era jovem. Por um tempo culpava a mãe por sua condição, achava que toda aquela negatividade de alguma forma destruíra suas vidas, e a mãe deixava claro que a responsável por essa negatividade era Ela.
Um dia Ela acordou se sentindo mal. Um pensamento recorrente surgiu com muita intensidade. Ela sabia que toda aquela negatividade e aquele rancor não lhe fariam bem. Ela se sentiu mal e foi ao banheiro e sua calcinha estava empapada de sangue. Havia algo errado dentro dela. E Ela pensou que poderia ter sido tudo diferente. Mas não foi. Ela foi em um médico que falou o que ela já sentira. Mesmo tendo toda um vida se sentindo como lixo, agora ela sabia que o ódio e o rancor estava destruindo-a de verdade. Então tudo aconteceu muito rápido. Ela escreveu uma carta pedindo perdão ao pai que Ela nunca teve. Perdão por não ter dado o amor que Ela sabia que ele merecia, perdão por ter perdido tempo com sentimentos mesquinhos e pediu perdão por sua mãe também, e justificou dizendo que era culpa dela. Ela escreveu uma carta que nunca foi enviada e nunca foi lida por ninguém.
No hospital recomendaram fé... há tempos Ela tinha procurado alivio pela fé, mas não deu certo, quando pequena ela adorava ir na igreja católica, ela gostava de ouvir a palavra pai, e condizia com suas fantasias, depois foi na igreja evangélica, foi em centro de camdomblé e gostou dos tambores,buscou no santo daime e ficou muito doida... Finalmente a dor chegou e Ela só encontrava alivio na morfina.
Só sua mãe ficou do seu lado... e ela pensou que alguma coisa boa tinha vindo disso tudo. Um irmão entregou papeizinhos provavelmente orações que Ela não teve forças pra ler, e disse que Deus era amor, Ela pensou que Deus era ironia e sorriu... ninguém iria mais saber o motivo de seus sorrisos, agora pouco importava. Ela se sentia estremamente tranquila pois sabia que todos seus sentimentos negativos iam acabar em pouco tempo, e se sentia bem por não ver aquela amargura no olhar de sua mãe... Ela gostava daquela tristeza que sua mãe setia naquele momento, Ela começou achar que era efeito da morfina e achou que era um momento apropriado para perdoar seu pai... e perdoou... fez uma oração em sua cabeça que o perdoava por ter sido um grande filha da puta e sentia pena dele, pois se ele fosse um pouco menos desgraçado Ela daria todo o amor que uma filhinha poderia dar a um papai... tudo isso acontecia enquanto o médico mandava aumentar a dose de morfina no soro e dizia pra sua mãe que chegara a hora... seu último pensamento foi pra que sua mãe não chorasse pois ela estava muito bem....

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