quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Retorno do Cap. Kirk - Prólogo.


linda ilustração de Daniel Pingú

Ele caía...
Sozinho.
Atravessando o ar de Veridian III. A estridência da ponte de metal ecoando em seus
ouvidos. Rodopiando. 0 sol reluzindo em seus olhos. As sombras envolvendo-o por completo.
Uma atrás da outra, à medida que ia caindo. Luz Sombra. Luz. Sombra. Como um bater de
asas. Como todos os dias de sua vida. Entrecruzando-se...
Num campo de milho no Iowa... ele olha as estrelas. Um menino de cinco anos nos braços de seu pai. Eu tenho de ir até lá, diz o menino. E você vai, Jimmy, responde o pai. Você vai...
Nos braços de Carol, na cama de casal... mesmo sabendo que devia deixá-la, assim como o filho que conceberam e que crescia dentro dela...
No quartel general da Frota Estelar... o almirante Nogura aperta sua mão: Parabéns, capitão, a Enterprise é sua...
Na doca espacial... o capitão Pike fazendo a apresentação: Seu oficial de ciências, tenente-comandante Spock...
Nas ruas do passado da Terra... a freada brusca, Edith, iluminada pelas faróis que penunciavam a morte...
Ao longo de todos aqueles dias, ele caindo, sozinho, ouvindo os sussurros do passado...
Eu sou e sempre serei seu amigo... Droga, Jim, sou um médico, não um pedreiro...
Deixe-me ajudar...
Eu sempre soube que morrerei sozinho...
Então, uma sombra bloqueou a luz. Deteve sua queda. Interrompeu aquele caleidoscópio de dias. Ele virou a cabeça, olhou para cima, viu um rosto que reconhecia, não do passado, nem do presente.
Do futuro.
- Conseguimos? - por fim, perguntou. - Nós fizemos a diferença?
O outro, em seu estranho uniforme, mas com a familiar insígnia da Frota Estelar no peito, ajoelhou-se ao seu lado.
- Sim, nós fizemos a diferença. Obrigado.
Em seu interior, o homem caído estava ciente da dor profunda e incurável Em seu interior, conscientizou-se de que não podia sentir as pernas, os braços, como se ele e toda a existência estivessem se dissipando ao mesmo tempo.
Sua visão começou a desfocar, escurecer, engolfada por uma sombra final que absorveu tudo o mais que restava.
Mas o outro, esse estranho, esse... Picard.. ofereceu sua amizade Em uma outra existência, talvez fosse possível. Muitas coisas teriam sido possíveis. Tantas possibilidades...
- E o mínimo que eu podia fazer - disse o homem caído, ignorando aquela sombra final
por causa de seu novo amigo -pelo capitão da Enterprise.
As vozes da escuridão começaram a chamá-lo novamente e, juntas, eram mais do que
apenas sussurros.
Através do entrelaçamento do metal retorcido, ele vislumbrou algo movendo-se, chegando mais perto.
Fechou os olhos.
O que havia dito a Picard quando se conheceram? Quando Picard o desafiou a voltar para realizar uma última missão?
Ele se lembrava. Então, seus olhos abriram-se.
- Foi... divertido - murmurou ele para Picard. E tentou sorrir. Para poupar a dor ao amigo.
Aquilo que surgira e que repousava além da ponte estava cada vez mais perto, vindo, como sempre estivem antes, em seu encalço.
Através do aço dilacerado, a forma estava mais clara agora. Mais próxima. Conhecida.
O olhar do homem caído a acompanhou, admirado por que Picard não a via, sequer pressentia sua presença.
Tentou alertar Picard Ajudá-lo a evitar algo do que já não mais podia fugir.
Mas o amálgama de seus dias chegara ao ápice. Rapidamente. E a face daquilo que o perseguia chamou definitivamente sua atenção.
Os resquícios finais de existência emanaram dele como uma luz suave e difusa, revelando tudo o que repousava além e que, ainda, estava por vir.
- Meu Deus! - murmurou.
Enquanto ainda via.
Enquanto ainda sabia.
E, aí, caiu novamente.
Sozinho...



Bill Shatner, quem diria...

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