sexta-feira, 14 de novembro de 2008

os negros e o negro


A zeladora do prédio onde moro é negra. (Ela usa um lindo boné africano.)
O zelador do prédio em frente e do prédio ao lado são negros. (O do bloco da frente vive de tererê.)
O zelador do prédio onde morei antes era negro.
Negros também eram três dos cinco zeladores que instalavam a decoração de Natal num dos prédios mais caros do Sudoeste, ontem pela manhã.
Negras as duas mulheres e as duas crianças de colo que ontem pela manhã pediam "uma moeda, tia", no estacionamento da feira permanente do Cruzeiro.
São negros cinco dos sete adolescentes que dormem na calçada do Box 16, na entrada da Feira dos Importados.
Nos meus tantos anos de vida escolar, não tive nenhum professor negro.
Nos meus 30 anos de redaçaõ, convivi com centenas de jornalistas. Só sete eram negros.
Não houve nem há nenhum negro entre os médicos com os quais eu e minha família nos consultamos. Não raramente, observo entre a classe média, gente que gagueja antes de dizer "negro", num preconceito que se manifesta às avessas. Caracterizar a coe da pele de alguém como sendo negra é, no entendimento dos gaguejantes, uma ofensa. Preferem "moreno", para disfarçar o sentido negativo que dão à diferença de cor da pele.
São essas algumas, e só algumas, das razões pelas quais esta brasileira aqui chorou desbragadamente na madrugada do histórico 5 de novembro passado.
O que o negro eleito fará com o cargo conquistado é algo a saber - e a torcer.
os céticos que me perdoem, mas a eleição de um negro à presidênciamais poderosa do mundo é um alento à alma dos negros de todo planeta. Raça (e digo raça no sentido cultural e não genético, antes que alguém me lembre que a ciência já provou que raça não existe), raça que foi e continua sendo extropiada, usurpada, tratada como subumana, com o pedão da palavra feia. O mundo inteiro sabia que o negro poderia ganhar do branco, mas parecia improvável demais para acreditar. A ficha não caiu antes da hora nem para o mais arguto e astuto dos analistas políticos dos grandes jornais e sites. O mundo sabia de antemão que ele poderia ganhar, mas era demais saber.
Na madrugada de 5 de novembro de 2008, a história imprimiu sua pegada grandiosa na era contemporânea. Só quando se viram as multidões nas ruas das principais cidades norte-americanas, o choro do reverendo Jesse Jackson, e de eleitores jovens de todas as cores, é que caiu a ficha do mundo. Um negro chegou lá. Independentemente do que ele vier a fazer, a vitória nas eleições por si só já foi uma inimaginável conquista. Tomara, não seja somente uma conquista simbólica.
Conceição Freitas escreve ótimas cronicas da cidade naquele jornalzinho de merda chamado correio braziliense.

2 comentários:

Silvia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Silvia disse...

Ela é uma das poucas que realmente escrevem - ouso a dizer - talvez também pq tenha espaço e tempo de confiança. Não se esqueça que as portas só se abrem - pra vc realmente escrever - com o tempo ou com o peixe. Eu sempre via ela - e quando queria alguma informaçao mais específica (e humanizada) de brasília, era ela a apontada como a melhor fonte...