quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Anansi


Anansi não gostava do Pássaro porque, quando o Pássaro sentia fome, ela - sim, ela, porque era um pássaro fêmea - comia muitas coisas. Uma das coisas que comia eram as aranhas, e o Pássaro estava sempre com fome.
Antigamente eles eram amigos. Mas agora não são mais.
Um dia, Anansi estava andando e viu um buraco no chão. Isso faz com que tenha uma idéia. Coloca madeira no fundo do buraco, faz uma fogueira, põe uma panela no buraco e, dentro dela, coloca raízes e ervas. Então começa a correr em volta da panela.
Corre, dança e grita:
- Eu me sinto bem! Eu me sinto tãããão bem! Todas as minhas dores sumiram. Eu nunca me senti tão bem em toda a minha vida!
O Pássaro ouve aquela confusão. Desce dos céus para ver o que era aquilo. E pergunta:
- Por que você está cantando? Por que está agindo feito um louco, Anansi?
Anansi cantarola:
- Eu tinha uma dor no pescoço, mas ela sumiu. Minha barriga doía, agora não dói mais. Minhas juntas faziam barulho, mas agora estou maleável como uma palmeira, macio como a Cobra quando troca de pele. Eu me sinto feliz, cheio de energia, e agora serei perfeito, porque sei o segredo que ninguém mais sabe.
- Que segredo?
- O meu segredo. Todos vão me dar suas coisas mais preciosas e mais queridas só para saber o meu segredo. Uhu! Oba! Eu estou tão feliz!
O Pássaro vem um pouco mais pra perto e inclina a cabeça para o lado. E pergunta:
- Eu posso saber o seu segredo?
Anansi olha desconfiado para o Pássaro. Então fica escondendo a panela borbulhante sobre o buraco.
- Acho que não - responde Anansi. - Talvez não tenha suficiente. Melhor esquecer.
E o Pássaro responde:
- Olha, Anansi, eu sei que nem sempre nós fomos amigos. Mas eu digo uma coisa. Se você me contar o seusegredo, prometo que nunca mais nenhum pássaro vai comer aranhas. Vamos ser amigos até o fim dos tempos.
Anansi coça o queixo e balança a cabeça.
- E um segredo bem grande e importante, esse de fazer as pessoas jovens, cheias de vigor, sem sentir dor nenhuma.
O Pássaro limpa algumas penas com o bico. E diz:
- Ah, Anansi, você sabe que eu sempre achei você um homem muito bonito. Por que nós não nos deitamos ali na relva um pouco? Sei que posso fazer você deixar de lado essa sua desconfiança para me dizer o seu segredo.
Então eles se deitam sobre a relva e começam a se acariciar, a rir, a ficar alegres.
Assim que Anansi consegue o que queria, o Pássaro diz:
- E agora, Anansi? E o seu segredo?
- Bom... eu não ia contar pra ninguém. Mas pra você eu conto. É um banho de ervas nesse buraco aí no chão. Olha só, eu coloco umas ervas e umas raízes. E quem entrar nessa água vai viver para sempre, sem sentir nenhuma dor. Eu tomei banho aí e agora estou me sentindo jovem como um filhotinho de gato. Mas acho que não é bom deixar mais ninguém tomar banho nessa água.
O Pássaro olha para aquela água borbulhante e, rápido como um raio, mergulha na panela.
- Está tão quente, Anansi!
- Tem que ser quente para as ervas fazerem efeito.
E então Anansi pega a tampa da panela e a cobre. É uma tampa pesada, e Anansi coloca uma pedra sobre ela para fazer ainda mais peso.
Bam! Bam! Bom! é o barulho que o Pássaro faz na tampa da panela.
E Anansi grita:
— Se eu deixar você sair agora, todo o efeito do banho borbulhante vai passar.
Relaxe aí dentro, aí você vai começar a se sentir melhor.
Mas talvez o Pássaro não tenha ouvido, ou não tenha acreditado nele, porque o barulho dentro da panela e as tentativas de empurrar a tampa continuaram por mais algum tempo. E depois pararam.
Naquela noite, Anansi e sua família comeram uma deliciosa sopa de Pássaro, com Pássaro cozido. Não sentiram fome por muitos dias.
Desde essa época, os pássaros comem aranhas sempre que podem, e as aranhas e pássaros jamais voltarão a ser amigos.
Há outra versão da história, em que também convencem Anansi a entrar na panela. As histórias todas pertencem a Anansi, mas nem sempre ele leva a melhor.
Retirado do livro Filhos de Anasi do Sr. Neil Gaiman... e a ilustração, assim como as que ilustram as historinhas do menino preto são do Sr. Malangatana... coisa fina, meu velho...

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