quarta-feira, 25 de junho de 2008

Justiceiro...


mais uma pérola do meu amado amigo Renato Hideki, meu "personal zen master"...

Como toda sexta-feira, emílio, descerás do ônibus, andarás cem, duzentos passos, passos simétricos de robô, e pousarás no bar. Servir-te-ás de cerveja e da tua habitual meditação.

Notarás a falta do índio da mesa da ponta. Dir-te-á o dono do bar, ao lavar uns copos americanos, que há de retornar o índio, que as coisas são assim mesmo. Vai ver arrumou emprego, tomara, para que possa pagar sozinho as contas, para que possa, enfim, ser livre. Nessa sexta, o índio será o assunto do dia no bar.

Em silêncio, queixo nas mãos, tentarás recordar o nome de alguma música ou mulher. Quando faltar a luz, a energia elétrica, chegar-te-á o gordinho, e ele começará:

“Esse índio me devia uma grana, sabia? Eles, os índios, vêm para a cidade sem destino nenhum, sem ter onde deitar nas noites frias de junho. Junto a ninguém conseguem emprego, ninguém os quer trabalhando. É porque são preguiçosos, de sorte que este nosso, o da nossa mesa da ponta, com que dinheiro, eu lhe pergunto, emílio, com que dinheiro você acha que ele pagava a pinga?”

Tu erguerás os ombros e espirrarás. O gordinho vai continuar:

“Eu sabia que ia acontecer. Sabe quando ele volta? Nunca. É por isso que eles vêem à cidade: para dar algum calote e ir embora. Acho bem-feito que tenha morrido... na hipótese de que tenha morrido.”

Levantar-te-ás para ir ao banheiro. Não se pode generalizar; fazer de um exemplo a regra para todos. Quererás dizer isso ao gordinho quando retornares à mesa. Te lembrarás da tua avó.

Quando tiveres regressado do banheiro, o gordinho não estará mais lá. Terás de esperar mais um tempo a ver se ele não volta, remoendo, matutando que tua avó, índia e curandeira, fora uma pessoa correta.

Farto de esperar, emílio, pagarás a tua conta, enquanto estarão te martelando na cabeça as palavras “bem-feito que tenha morrido”. Saltarão as veias de teu pescoço e das tuas têmporas, latejando, pulsando um senso de justiça que tu não imaginas ter. Jurarás para ti mesmo vingança pelo índio da mesa da ponta. Gordinho assassino.

Na andança para a tua casa, encontrarás o gordinho em discussão com o índio que tu já consideravas morto. Respiração corrida, meterás a mão na cara do gordinho, e dirás a verdade, “as contas do índio as pago eu”. Sacarás o revólver que sempre escondes na calça e entregá-lo-ás ao índio, como se este já soubesse o que fazer. Daí darás as costas e começarás o passo lento daquele que compriu a missão. Então, emílio, escutarás o gordinho desesperando: “deve-se pagar tão caro pelo simples desejar vermos outrem morto?”, e tu dirás “sim”. Virar-te-ás e verás o gordinho às gargalhadas, grotesco, e verás, olhos nos olhos, a feição maligna no rosto daquele índio que tu imaginas bom, o rosto dele encarando o teu, fazendo-te mira. Só aí terás a tua justiça feita.

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