quinta-feira, 19 de junho de 2008

Hermogenes


Se, ao final desta existência, alguma ansiedade me restar e conseguir me perturbar, se eu me debater aflito no conflito e na discórdia. Se ainda ocultar verdades para ocultar-me, para ofuscar-me com fantasias por mim criadas. Se restar abatimento e revolta pelo que não consegui possuir, fazer, dizer e mesmo ser. Se eu retiver um pouco mais do pouco que é necessário e persistir indiferente ao grande pranto do mundo.
Se algum ressentimento, algum ferimento impedir-me do imenso alívio que é o irrestritamente perdoar, e, mais ainda, se ainda não souber sinceramente orar por quem me agrediu e injustiçou. Se continuar a mediocremente denunciar o cisco no olho do outro sem conseguir vencer a treva e a trave em meu próprio.
Se seguir protestando, reclamando, contestando, exigindo que o mundo mude sem qualquer esforço para mudar eu mesmo. Se, indigente da incondicional alegria interior, em queixas, ais e lamúrias, persistir e buscar consolo, conforto, simpatia para a minha ainda imperiosa angústia. Se, ainda incapaz para a beatitude das almas santas, precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende. Se insistir ainda que o mundo silencie para que possa embeber-me de silêncio, sem saber realizá-lo em mim.
Se minha fortaleza e segurança são ainda construídas com os materiais grosseiros e frágeis que o mundo empresta e eu neles ainda acredito. Se, imprudente e cegamente, continuar desejando adquirir, multiplicar e reter valores, coisas, pessoas, posições, ideologias na ânsia de ser feliz. Se, ainda presa do grande embuste, insistir e persistir iludido com a importância que me dou.
Se, ao fim de meus dias, continuar sem escutar, sem entender, sem atender, sem realizar o Cristo, que dentro de mim, Eu Sou, terei me perdido na multidão abortada dos perdulários dos divinos talentos. Os talentos que a Vida a todos confia. E serei um fraco a mais, um traidor da própria vida, da Vida que investe em mim, que de mim espera e que se vê frustrada diante de meu fim.
Se tudo isto acontecer terei parasitado a Vida e inutilmente ocupado o tempo e o espaço de Deus. Terei meramente sido vencido pelo fim, sem ter atingido a Meta.

-Professor Hermógenes

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